(Imagem disponível em :< https://www.ecoticias.com/naturaleza/103044/centenar-organizaciones-trataran-prohibir-tauromaquia-mundo>.
Acesso em 4.4.2018)
Cecilio Paniagua é doutor
em medicina pela Universidad Autónoma de
Madrid, psiquiatra pela Thomas
Jefferson University, psicanalista pelo Baltimore Psychotherapy Institute, professor de psiquiatria da Georgetown University, membro titular da
American Psychoanalytic Association e fellow do American College of Psychoanalysts. Autor de numerosas publicações
psicanalíticas, pelas quais ganhou o prémio Lewis
B. Hill. Autor do livro Visiones de
España. Reflexiones de un psicoanalista.
Reside e mantem prática privada em Madrid.
Neste artigo[1]
ele apresenta uma perspectiva psicanalítica da evolução socio- histórica da
tauromaquia. Comenta o escoamento psicológico do sadismo, o narcisismo, o erotismo e
as identificações da claque, concluindo que a tauromaquia constitui uma
complexa transacção[2]
cultural entre impulsos inconscientes e a inconstante sensibilidade social à
crueldade, expressada por meios estéticos tradicionalmente aceites.
Esta é uma tradução
livre do seu artigo.
Psicologia da afición taurina
(Imagem disponível em:< https://blogcamp.com.br/influencia-da-cultura-espanhola/>.
Acesso em 4.4.2018)
Evolução histórico-cultural
Proibida durante períodos distintos
em Espanha, a tauromaquia chegou a ser condenada pelo Papa Pio V, sob pena de
excomunhão. Apesar de proibida, continuavam a celebrar-se festas com touros,
que contavam não poucos eclesiásticos disfarçados. A condenação de Roma nunca conseguiu
erradicar a paixão dos espanhóis por sua festa nacional.
No século XVIII os touros passaram a
ser lidados a pé por toureiros das classes populares. A lida deixava de ser um exercício
cavaleiresco, proporcionando uma base importante de identidade cultural e de
reafirmação do casticismo, ao longo da acidentada história do país.
Entretanto, outros pensadores
espanhóis têm sustentado que a tradição dos touros não constitui parte
essencial da identidade cultural daquele país, e que, além disso, tem
contribuído ao relativo atraso com respeito às outras sociedades europeias.
Esta divisão de opiniões permanece
até o presente. Blasco Ibánez (1908) escreveu com ironia: “Los hijos de los que asistían con religioso y concentrado entusiasmo
al achicharramiento de herejes y judaizantes se dedicaron a presenciar con
ruidosa algazara la lucha del hombre con el toro, en la que sólo de tarde en
tarde llega la muerte para el lidiador. ¿No es esto un progreso?”, acrescentando, “La única bestia en la plaza es la gente”.
A realidade é que a maior parte dos
pensadores, literatos e artistas espanhóis tem exaltado os valores psicológicos
e estéticos de la fiesta de los toros.
A história da tauromaquia proporciona um bom campo para o estudo das
transacções psicológicas relativas à tolerância e à crueldade. A evolução do
seu regulamento reflecte a intenção de se chegar a distintos compromissos entre
as inclinações sádicas de la afición
(sua fascinação pelo risco corrido pelo toureiro e o sacrifico do touro) e a
inconstante sensibilidade da sociedade com respeito aos espectáculos
sangrentos.
O debate na Comunidade Europeia
sobre o tema é expoente de tal relativismo. Por um lado defende-se esta
manifestação cultural arraigada secularmente nas preferências populares de Espanha.
Por outro, os activistas pró-direitos dos animais defendem a proibição do sacrifício
cruel de reses nas praças taurinas. Por um lado alega-se que acontecem espectáculos
taurinos em setenta por cento das cidades de Espanha, contribuindo para manter
um ecossistema sem igual no mundo, a pagar muitos salários e a financiar mais
de mil ganadarias (Laplazareal 2007). Por outro lado assinala-se como altamente
significativo que o Parlamento europeu tenha decidido suprimir o subsídio para
os criados de animais com o propósito de morrer em praças destinadas à lide de
reses (NPR 2008).
Perspectiva social
Uns sessenta milhões de pessoas em
todo o mundo são espectadores de festejos taurinos. A afición é devida a que proporciona um marco único para o alívio e
projecção de impulsos instintivos primitivos reprimidos. Claramente, seu
principal atractivo é a gratificação inconsciente dos impulsos sádicos. La fiesta gira em torno da dor e da morte
do touro por trás de um conjunto artístico ritualizado de tortura.
A afición exige que o matador aproxime-se
do touro, ou seja, que arrisque a vida. Um ditado popular afirma que é o
público quem dá as colhidas. O ritual
da corrida pretende precisamente proporcionar um recipiente ao sadismo. Em Viajes por España (autor holandês anónimo)
do início do século XVIII, pode-se ler: “El
deseo que muestra esa nación de matar a los toros es increíble. Si por azar el
pobre animal passa cerca de los tendidos, lo atraviesan con mil golpes de sus
espadas, y cuando lo derriban quieren apoderarse de su cola o sus partes
vergonzosas, que se llevan en sus pañuelos como señal de alguna victoria”.
Originalmente, as bandarilhas eram
arpões que tanto toureiros como espectadores atiravam aos touros. O desjarrete
do animal e sua matança multitudinária foi atracção muito celebrada. O sadismo
da tauromaquia actual, pois, resulta pálido comparado às práticas taurinas do
passado.
(Imagem disponível em:< https://rafatrotamundos.wordpress.com/2012/08/16/edipo-rei-de-sofocles/>.
Acesso em 4.4.2018)
Perspectiva psicanalítica
Na praça de touros, os ânimos do
público flutuam muito. Uma característica da mente em conflito é a ambivalência
interpessoal, que talvez defina melhor os sentimentos da claque em relação ao
toureiro. De facto, cada vez que um touro arranca, o aficionado experimenta
dois desejos em conflito: que o toureiro seja colhido e que o efeito não tenha
consequências sangrentas. Apenas este ultima costuma ser consciente. Estes dois
desejos contrários satisfazem no espectador duas instâncias psíquicas
diferentes: o Id dos instintos e o Superego da consciência.
Existem muito poucos trabalhos
publicados sobre a tauromaquia na literatura psicanalítica. O psicanalista
Martin Grotjahn (1959) sustentava: “Os aspectos horríveis da tauromaquia anulam
o interesse que possui a simbolização inerente ao seu ritual. Talvez isto
explique a escassez de tentativas analíticas de interpretação de la fiesta”.
Em alguns dos artigos psicanalíticos
disponíveis, la fiesta tem sido
interpretada a representação de um drama edípico: o filho derrota o pai. Freud
havia escrito em 1901: “ Zeus parece ter sido primitivamente um touro, e também
nosso velho Deus teria sido adorado primeiro como touro”. A ideia de Deus
procede de fantasias relativas à percepção por parte do menino da figura
paterna como omnipresente.
Portanto, o sacrifico do touro-Deus há-de
representar uma continuação ou, mesmo, um eco do impulso original - reprimido
logo - para o parricídio. Tanto no caso dos toureiros como no dos espectadores,
a lida e morte do poderoso touro satisfaria então o desejo edípico reprimido de
vencer e eliminar o rival paterno.
(Imagem disponível em:< https://zap.aeiou.pt/toureiro-morre-colhido-na-arena-em-espanha-120300>.
Acesso em 4.4.2018)
Justificações e relativismo do sadismo
A maioria dos espectadores de uma
corrida de touros rechaçaria a ideia de que vai aos touros com fins cruéis.
Tampouco aceitaria que seu propósito era contemplar o sofrimento e a morte dos
animais. Blasco Ibánez escreveu sagazmente em Sangre y Arena (1908): “Todos
gritaban con vehemente ternura por el dolor de la bestia, como si no hubiesen
pagado para presenciar su muerte”. A conclusão escusatória é que o touro é
um agressor que o toureiro tenta eliminar. Pode convencer-se de que o mata em
própria defesa.
A maior parte dos aficionados
simplesmente alegaria, e com razão que a tauromaquia é uma festa sem par no
mundo, um espectáculo emocionante e belo em que se demonstra a coragem, a arte
e a inteligência de um homem ante uma besta valente. Embora compreensível, toda
esta argumentação é adicional e não substitui o sadismo inerente à tauromaquia.
Quando os assistentes à uma corrida dizem que padecem com o sofrimento e se alarmam
se o toureiro for ferido pelo touro, não estão conscientes que estes
sentimentos são reactivos aos seus ocultos desejos sádicos.
Ao público agrada-lhe secretamente a
ideia de lamentar tragedias, chorar as vítimas e horrorizar-se por sucessos
sangrentos. Além disso, a excitação diante do perigo do próximo pode ser
prazerosa.
Esta experiência está relacionada
com a atracção que despertam as representações aterrorizantes. Estas permitem-nos
projectar em figuras externas medos e dramas internos, evitando a própria
sensação de perigo. A respeito deste tipo de atracção sinistra, Freud (1919)
conjecturou: “Lo siniestro en las
vivencias se da cuando complejos infantiles reprimidos son reanimados por una
impresión exterior, o cuando convicciones primitivas superadas parecen hallar
una nueva confirmación”. Poderia dizer-se que a afición sente-se atraída pelo sinistro das corridas porque estes
constituem um cenário apropriado para a representação projectiva de dramas
sádico inconscientes do passado infantil. Pode insistir-se na beleza e a arte
como argumento central aos festejos taurinos, mas então como explicar, por
exemplo, a enorme popularidade dos célebres, embora pouco “artísticos” curros?
Existem engenhosas racionalizações
para justificar o espectáculo cruel da tauromaquia. Por exemplo, recorda-se que
o touro tenta matar o toureiro, como se o animal tivesse escolhido ir à praça com
essa intenção. José Ortega e Gasset (1929) escreveu: “¿Es de mejor ética que el toro bravo desaparezca como especie y que
muera en el prado sin que muestre su gloriosa bravura?”. Atribuindo ao
animal sentimentos humanos, Enrique Tierno Galván (1951) opinou que, “El toro vive en el ruedo una gloriosa aventura
coronada por la mayor concesión que el hombre pueda hacer con el animal: la lucha
franca e igualada”. Chega a pensar-se inclusive que o destino natural do
touro de lida é de ser morto na arena, que, como escreveu Miguel Hernández em Corrida real,“Ya en el tambor de arena el
drama bate / Mas no: que por ser fiel a su destino, / El toro está queriendo
que él lo mate”.
Junto com estas justificações
racionalizadas entra em jogo a defesa psicológica do isolamento do afecto, defesa inconsciente que permite-nos manter
dissociada a emoção desagradável que corresponderia à visão de um espectáculo sangrento.
Esta defesa inconsciente é mediada pela cultura. Mas também acontece que um
estrangeiro possa superar sua repulsão inicial e transformar-se em aficionado.
É como se o gosto pelo espectáculo do público ao seu redor desse luz verde ao
sadismo reprimido.
Uma pergunta fundamental neste
assunto é: a tauromaquia alimenta o sadismo do aficionado ou canaliza-o dentro
de um marco estético? A pergunta a elucidar seria se a aceitação social do espectáculo
dos touros promove a expressão sádica de instintos agressivos que poderiam ter
sido sublimados por alternativas socialmente mais úteis; ou se, pelo contrário,
neutraliza seu potencial destrutivo por meio da descarga parcial destes
instintos. A resposta é seguramente que a festa dos touros provoca ambos os eventos,
psicologicamente contraditórios no espectador.
Para uma resposta exacta quanto à
abordagem de disposições práticas relativas à conveniência social da
sobrevivência da festa dos touros, seriam necessários estudos
multidisciplinares sérios, mas trata-se de uma manifestação muito enraizada na
tradição espanhola e, portanto, difícil de examinar desapaixonadamente. Além
disso, recordemos que, ao longo da história, o sadismo inevitável do ser humano
foi sancionado em decisões culturalmente aceitáveis que não implicaram
derramamento visível de sangue, como medidas políticas e económicas.
(Imagem disponível em:< http://odeiorodeio.com/site/caceres-ficara-novamente-sem-touradas/>.
Acesso em 4.4.2018)
Identificações e narcisismo
Os espectadores experimentam
sentimentos fortes não só em relação ao toureiro, mas também em relação ao
touro. De facto, podemos nos identificar com o animal antropomorfizado. Miguel
Hernández (1934-35) reconhece uma similitude com este nos versos: “Como el toro he nacido para el luto / Y el
dolor, como el toro estoy marcado... / Como el toro te sigo y te persigo, / Y
dejas mi deseo en una espada, / Como el toro burlado, como el toro”. Se o
touro é visto inconscientemente como a encarnação de impulsos inaceitáveis, dos
próprios impulsos "bestiais", a afición
aprovará a agressão contra o animal.
Mas se o espectador percebe o
toureiro como merecedor de represálias pelo seu comportamento sádico de viés
parricida, seu Superego pode formar na fantasia uma aliança com o potencial
homicida do animal. Claramente, o touro pode ver-se, igual ao toureiro, como
agressor e como vítima. O público reage de acordo com a oscilação de suas identificações.
Para a afición é importante saber que o touro tem uma oportunidade para
matar o seu matador, que não se trata
de uma caça. O igualamento das forças possibilitado pelo toureio a pé, que fez
da lida um ofício popular, ao facilitar as identificações da maioria com o
toureiro, acrescentou um atractivo crucial à tauromaquia. Se o toureiro arrisca
pouco, o equilíbrio se rompe. No seu Viaje
a España (1830-1853), Prosper escreveu: “En cuanto desaparece el peligro, ya no se ve sino mozos de carnicería que
martirizan a un pobre animal [...] Sólo el peligro hace olvidar la asquerosidad
de la sangre y de las entrañas desparramadas”
Também existe a identificação com a
atitude exibicionista do toureiro. De facto, um das dinâmicas mais importantes
na organização mental do toureiro é a da gratificação narcisista. Os sonhos de
esplendor e de imortalidade servem, por sua vez, para compensar sentimentos
passados de inferioridade.
Ao sentir-se muito sido ansioso por
obter uma sensação de grandiosidade na arena, ou quando precisa da aclamação da
afición a qualquer preço, o toureiro
será impelido a pôr sua vida em um perigo maior que o que o aconselharia o senso
comum.
Quando a praça vibra com o matador, participa por alguns momentos dessa
exaltação egocêntrica que constitui, na realidade, a regressão ao gozoso sentimento
da omnipotência exibicionista da infância. Mas essa reacção emocional tem pouco
a ver com afecto verdadeiro em relação ao toureiro. O fervor da claque de uma
tarde pode transformar-se em hostilidade à seguinte ou, pior ainda, em
indiferença. Muitas figuras da tauromaquia têm temido mais ao declínio da
popularidade que mesmo às colhidas. O toureiro, desconhecido pessoalmente para
a maioria, não é mais que depositário das paixões da afición; estes podem ser transferidos sem hesitação a outro
toureiro, objecto de projecções semelhantes. O menos importante é protagonista,
o que importa é o conteúdo inconscientemente projectado sobre ele.
(Imagem disponível em:< https://es.dreamstime.com/foto-de-archivo-editorial-toreros-espa%C3%B1oles-que-miran-la-tauromaquia-el-torero-en-t-image74691598>.
Acesso em 4.4.2018)
Rivalidade, inveja e erotismo
Para os espectadores, a festa
taurina oferece outras telas importantes de projecção de conflitos
inconscientes. Uma delas é a rivalidade fraterna implícita na competitividade
dos toureiros.
Quando um dos toureiros é colhido, o
público pode recomendar cautela ao rival. Entretanto, em outros casos, a
reacção pode ser muito diferente, passando aquele a receber insultos à cada
aparição na arena. Ao decidir que sua indecisão no momento de fazer-se ao touro
contribuiu para uma colhida ou morte de um toureiro, o público encontrava
responsável pela tragedia, mitigando assim o peso de sua própria culpa pelo
cumprimento fatal de seus desejos homicidas inconscientes.
A posição privilegiada do toureiro
de cartaz - dinheiro e fama na juventude - inspira admiração, mas também inveja,
inevitável face da mesma moeda. É comum que o espectador tente compensar este
sentimento doloroso que denota inferioridade e, que além disso, é censurável para
a consciência, por meio de superioridade. Deste modo, promove-se em juiz do que
passa na arena, faz exigências ao toureiro e reivindica para si a prerrogativa
da aprovação ou do insulto.
Outra fonte da inveja do toureiro é
com respeito à imagem da masculinidade. O toureiro, cujos rendimentos e sucesso
dependem da aceitação do público, tem que amoldar-se, em troca, aos desejos da afición. É certamente sintomático que
tantos toureiros tenham adoptado – ou aceitado – apelidos que infantilizam ou que
sejam mais ridículos que afectuosos. O uso destes pode contribuir para "perdoar-lhes”
o sucesso.
As práticas taurinas podem ter,
também, uma dimensão erótica para a afición.
Tierno Galván (1951) citou numerosos
exemplos do léxico da tauromaquia que se empregam com significado sexual,
fazendo a seguinte afirmação machista: “En
lo que afecta a las relaciones eróticas, la mujer se ve como una entidad
rebelde y bravía a la que hay que domeñar por los mismos medios y técnica que
se emplean en la brega taurina” (!)
É necessário lembrar de que, a um
nível mais profundo, a tauromaquia pode ter significados homossexuais
inconscientes. Há uma passagem do romance daquele grande aficionado que era
Ernest Hemingway (1960), The Dangerous
Summer, em que se narra uma colhida à Ordóñez. A história do acidente evoca
um coito homossexual sádico: “Al recibir
al toro por detrás [...] el cuerno derecho se clavó en la nalga izquierda de
Antonio. No hay un sitio menos romántico ni más peligroso para ser cogido [...]
Vi cómo se introducía el cuerno en Antonio, levantándolo [...], la herida en el
glúteo tenía seis pulgadas. El cuerno le había penetrado junto al recto
rasgándole los músculos”.
Na realidade, o traje de luzes,
enfeitado e apertado, o rabo-de-cavalo, os andares manhosos[3] e
a atitude exibicionista, têm sido, em nossa cultura [espanhola], mais
característicos da mulher. Vem à memória a letra de outra opereta cómica, La corría de toros de Antonio Paso, em
que se comenta de um tourero: “Miré usté
qué hechuras. / Mi’usté qué posturas./ Mire usté qué facha de perfil. / Un
torero más bonito y más plantao / No lo encuentro ni buscao / Con un candil. /
Mire usté qué tufos, / Mi’usté qué coleta, / Mire usté qué glúteo tan
marcao...”.
(Imagem disponível em:< https://trianarts.com/el-tenebrismo-de-jose-de-ribera-el-espanoleto/#sthash.rly1l1nq.dpbs>.
Acesso em 4.4.2018)
Masoquismo e angústia diante da morte
É evidente que o toureio de ocupação
serve para a expressão de tendências masoquistas e, naturalmente, a afición reage potencialmente diante de
comportamento potencialmente suicida dos toureiros. É comum que às vezes estes não
parecem se aperceber de que certos passos são especialmente arriscados com
alguns touros, enquanto os espectadores percebem-no claramente. Como costuma dizer
a afición, “los toros avisan”. O psiquiatra Fernando Claramunt (1989) tem
escrito sobre a psicogénese e a psicopatologia das colhidas. Em algumas
ocasiões os toureiros expressam abertamente no comportamento, inclusive verbalmente,
suas tendências autodestrutivas.
Em algumas colhidas auto-induzidas
ou meio provocadas pode-se discernir também a dinâmica da vingança contra uma afición - parental - sádica. O
sacrifício masoquista do toureiro teria como como finalidade punitiva pretenda
causar ou alimentar naquela culpabilidade. A este respeito, num artigo com o
título El placer de ser cogido, D. Harlap
(1990) explicou eloquentemente a existência desta motivação no caso de Manolete.
A
tauromaquia constitui uma forma culturalmente sintónica de enfrentar a angústia
da finitude, o medo da morte que todo o ser humano experimenta. Existem várias manobras psicológicas contra esta angústia universal, como o soterramento no
inconsciente – que é o que o termo repressão
significa no vocabulário psicanalítico -.
Desenvolvem-se também formações reactivas, que resultam que o
sujeito convença-se que a ideia da morte não é terrível, pelo contrário: é bela
e desejável. As defesas maníacas
exaltam de maneira compensatória a vitalidade das corridas e a falsa convicção
de invulnerabilidade. O psicanalista espanhol Emilio
Valdivielso (1977), falando de Ignacio Sánchez Mejía, expos a tese de que, “Cuando el torero está toreando, torea y
burla a la muerte que él mismo lleva dentro; y cuando mata al toro, está
matando a su propia muerte”.
Garcia Lorca (1933) disse: “España es el único país donde la muerte es el espectáculo nacional, donde la muerte toca largos clarines a la llegada de la primavera”. A recordação da morte é muito característica da cultura espanhola. Sua importância na arte e literatura é algo que chama poderosamente a atenção aos estrangeiros e a tauromaquia deveria ser considerada como um caso típico desta transacção cultural psicológica. O combate aos touros supõe um enfrentamento à morte. Raphael E. Pollock (1974) fez a aguda observação que “quizá el drama de que a la muerte del toro le sigan otros toros y otras corridas es una ‘prueba’ de que lamuerte no es el fin de todo”.
Concluiremos dizendo que
a festa dos touros representa uma transacção complexa psicológica, resultado de
compromissos entre os apetites sádicos da afición
e sua sensibilidade inconstante à crueldade e à morte. Na actualidade, se se contempla demasiado
sangue, se faz-se sofrer ao animal "excessivamente" ou se o homem corre
muitíssimo perigo, a sensibilidade de uma maioria será ferida. Se, pelocontrário,
se estes estímulos estiverem escassos, desaparece o atractivo da festa. Esta
constitui um marco único para a projecção de impulsos instintivos[4]e
para arepresentação de simbolismos
inconscientes, efeito todo ele veiculado por meios altamente estéticos e
tradicionalmente aceites. Não é de estranhar que a tauromaquia seja, como se diz frequentemente,
"um espectáculo indesculpável, mas irresistível." (o grifo é meu)
(Imagem disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinando,_o_Touro#/media/File:Ferdinand_the_Bull.jpg>.
Acesso em 4.4.2018
[1] Psicología de la afición taurina,
Cecilio Paniagua. Ars Medica. Revista de Humanidades 2008; 2:140-157.
(Disponível
no original em:
<https://www.fundacionpfizer.org/sites/default/files/pdf/dendra/ars_medica_jun_2008_vol07_num02_140_Psicologia_de_la_aficion_taurina.pdf>(Acesso
em 4.4.2018)
[2] transacción
Del lat.
tardío transactio, -ōnis.
1. f.
Acción y efecto de transigir.
2. f.
Trato, convenio, negocio.
(Disponível
em:< http://dle.rae.es/?id=aIEpSMR>.
Acesso em 4.4.2018)
[3] retrecheros, retrechero, ra
1. adj. coloq. Que con artificios disimulados y
mañosos trata de eludir la confesión de la verdad o el cumplimiento de lo
debido.
2. adj. coloq. Que tiene mucho atractivo. Mujer
retrechera. Ojos retrecheros. (Disponivel em:< http://dle.rae.es/?id=WKBV94U>
.Acesso em 4.4.2018)
[4] No original instintuales
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire